Carro Elétrico
Carro Elétrico

Carros e aviões barram bloqueio de GPS pelos EUA

O conceito de “Disponibilidade Seletiva” (Selective Availability – SA) representava uma ferramenta poderosa nas mãos dos Estados Unidos, concedendo-lhes controle sem precedentes sobre a precisão do Sistema de Posicionamento Global (GPS). Implementada na década de 1990, a SA permitia que o Departamento de Defesa dos EUA introduzisse erros intencionais no sinal GPS disponível para usuários civis, degradando sua precisão para aproximadamente 100 metros. Enquanto isso, militares americanos e aliados, com receptores autorizados, podiam acessar a precisão total do sinal, que era de poucos metros.

O principal objetivo da Disponibilidade Seletiva era estratégico: garantir uma vantagem militar decisiva e proteger a segurança nacional dos EUA. Em um cenário de conflito, a capacidade de degradar o sinal para adversários, enquanto mantinha a alta precisão para suas próprias forças, era vista como um trunfo vital. Isso significava que qualquer um que dependesse do GPS para navegação ou posicionamento — de barcos de pesca a aviões comerciais, passando por sistemas de mapeamento — estaria sujeito à vontade dos militares americanos.

No entanto, essa política, embora defensável do ponto de vista da segurança nacional, começou a gerar tensões e a se mostrar insustentável a longo prazo. Duas forças motrizes principais levaram os Estados Unidos a abandonar a Disponibilidade Seletiva: o faturamento comercial e a crescente concorrência estrangeira.

Com o passar do tempo, o GPS deixou de ser uma ferramenta puramente militar para se transformar em um pilar da economia global. Indústrias inteiras, como transporte, logística, agricultura de precisão, telecomunicações, serviços de emergência e até mesmo o entretenimento, passaram a depender criticamente da precisão e confiabilidade do GPS. A degradação intencional do sinal impunha um custo significativo a essas indústrias, não apenas nos EUA, mas globalmente. Empresas americanas que desenvolviam produtos e serviços baseados em GPS eram desfavorecidas em relação a possíveis concorrentes que buscassem soluções alternativas ou que utilizassem métodos para contornar a precisão degradada.

Simultaneamente, a ameaça da concorrência estrangeira pairava no horizonte. Países e blocos econômicos, percebendo a vital importância estratégica e econômica de um sistema de navegação por satélite, começaram a desenvolver seus próprios Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS). A Rússia já possuía o GLONASS, e a Europa estava avançando com o Galileo, enquanto a China desenvolvia o BeiDou. Esses sistemas, ao contrário do GPS sob Disponibilidade Seletiva, prometiam acesso irrestrito à precisão total para usuários civis. A manutenção da SA por parte dos EUA arriscava empurrar usuários e investidores para esses sistemas concorrentes, diluindo a influência americana no cenário global de navegação e posicionamento.

Diante dessas pressões econômicas e geopolíticas, o presidente Bill Clinton anunciou, em 1º de maio de 2000, a decisão de desativar permanentemente a Disponibilidade Seletiva. Essa medida, tomada há 24 anos (praticamente 25, considerando o presente), foi um marco. De um dia para o outro, a precisão do GPS para usuários civis melhorou dramaticamente, passando de cerca de 100 metros para menos de 10 metros, sem a necessidade de tecnologias adicionais de correção.

O abandono da SA catalisou uma explosão de inovação e investimento no mercado de GPS civil. Novos aplicativos e serviços surgiram, desde sistemas de navegação automotiva e aplicativos de smartphones até tecnologias avançadas para drones e agricultura inteligente, todos beneficiando-se da precisão aprimorada. Isso consolidou o GPS como um bem público global, ao mesmo tempo em que garantiu sua dominância no mercado, pois não havia mais a desvantagem da precisão degradada.

Embora os EUA ainda mantenham o controle sobre o GPS e sua infraestrutura, a desativação da Disponibilidade Seletiva marcou uma transição de uma estratégia de controle puramente militar para uma abordagem que reconhece a natureza dual – militar e civil – do sistema. A decisão demonstrou a complexidade de equilibrar interesses de segurança nacional com o potencial econômico e a interdependência global. Hoje, o GPS é uma ferramenta indispensável, e sua precisão irrestrita é um legado daquela decisão tomada há quase um quarto de século, impulsionada tanto pela visão comercial quanto pela inevitabilidade da concorrência global.