A recente revogação da Lei 236/2025 representa um retrocesso significativo na relação entre o Estado e comunidades engajadas em práticas esportivas e culturais não convencionais. Longe de ser um mero ajuste legislativo, essa medida tem o potencial de marginalizar e culpabilizar milhares de cidadãos, empurrando-os de volta para a ilegalidade e para as sombras de um esporte já desestruturado pela ausência de políticas públicas eficazes.
A Lei 236/2025, em sua concepção original, buscava preencher uma lacuna. Ela visava regulamentar e oferecer um caminho para a legitimação de atividades que, embora populares e dotadas de um forte apelo cultural e esportivo, frequentemente operam à margem da lei. Estamos falando de práticas como o “grau de moto,” manobras radicais em veículos, ou até mesmo certas modalidades de esportes urbanos que, por falta de espaços adequados e reconhecimento oficial, se desenvolvem em ambientes informais e, muitas vezes, perigosos. A lei representava uma promessa de organização, segurança e inclusão, ao tentar transformar o que era visto como transgressão em uma expressão legítima de talento e paixão.
Com a sua revogação, essa promessa é quebrada. Práticas que estavam em processo de transição para um status mais formal e seguro são subitamente criminalizadas novamente. Isso não é apenas uma questão legal; é uma questão social e econômica profunda. Indivíduos que dedicam tempo, energia e, muitas vezes, recursos financeiros a essas atividades, agora se veem rotulados como criminosos. A linha tênue entre hobby, esporte e ilegalidade é apagada, com a balança pesando para a criminalização.
A marginalização ocorre quando a sociedade e o Estado, ao invés de compreenderem a origem e o contexto dessas práticas, optam pela proibição pura e simples. Sem alternativas de espaços seguros, regulamentados e com a infraestrutura necessária, os praticantes são forçados a continuar suas atividades em locais inadequados, aumentando os riscos para si e para terceiros. O Estado, que falhou em estruturar essas modalidades, agora transfere a culpa da desordem para os próprios cidadãos que dela participam, esquivando-se de sua responsabilidade primordial.
Essa culpabilização é particularmente perversa porque ignora as raízes sociais do problema. Muitos desses “esportes desestruturados” florescem em comunidades onde há poucas opções de lazer, cultura e esporte formal. Para muitos jovens, a prática dessas atividades não é apenas um passatempo, mas uma forma de identidade, pertencimento e, por vezes, a única válvula de escape para suas realidades sociais complexas. Ao invés de investir em programas que canalizem essa energia e talento para ambientes seguros e produtivos, a revogação da lei opta pelo caminho da repressão.
O Estado tem o dever de proteger seus cidadãos, e isso inclui oferecer oportunidades e regular atividades para garantir a segurança de todos. A revogação da Lei 236/2025 sem a proposição de alternativas viáveis é uma abdicação desse dever. Ela não resolve o problema subjacente; apenas o empurra para debaixo do tapete, gerando mais conflito, desconfiança nas instituições e um ciclo vicioso de proibição sem solução.
Em última análise, a revogação é um passo para trás. É um ato que desestimula a inovação social, ignora a cultura popular e penaliza cidadãos por participarem de atividades que, com o devido apoio e regulamentação, poderiam ser transformadas em modalidades esportivas e culturais legítimas e seguras. É urgente que se repense essa abordagem, buscando soluções que integrem, ao invés de marginalizar, e que construam pontes em vez de muros entre o Estado e seus cidadãos.