A história das 24 Horas de Le Mans está repleta de lendas, mas poucas brilham com a intensidade e singularidade do Mazda 787B. Em 1991, este protótipo japonês não apenas conquistou a vitória na mais extenuante corrida de resistência do mundo, mas gravou seu nome na eternidade de forma a desafiar convenções e provocar uma mudança nas regras. Precisou de apenas uma corrida para se tornar um ícone, um “vencedor proibido”.
Por décadas, a Mazda perseguiu o sonho de Le Mans com tenacidade. Desde os anos 70, a montadora japonesa, conhecida pela ousadia tecnológica, apostou em um caminho distinto: o motor rotativo Wankel. Enquanto a concorrência usava motores a pistão, a Mazda refinava sua tecnologia rotativa. A edição de 1991 marcou a 13ª tentativa consecutiva da Mazda, testemunho de sua resiliência e crença inabalável em sua engenharia.
O 787B era a culminação desse esforço. Equipado com o motor R26B de quatro rotores, ele era mais que engenharia; era uma sinfonia. Seu ronco, único em Le Mans, era uma melodia estridente e inconfundível que ecoava pela Floresta de Mulsanne. Com cerca de 700 cavalos de potência e robusta confiabilidade, o 787B foi projetado para resistência, não apenas velocidade bruta – uma estratégia que se provaria decisiva. Aerodinâmica meticulosa e um chassis bem equilibrado completavam o pacote.
A corrida de 1991 foi um campo de batalha épico. A Mazda não estava sozinha na busca pela glória. A Mercedes-Benz, com seus imponentes C11, era a favorita, liderando o campeonato mundial. A Jaguar, com o XJR-12, também era uma ameaça séria, assim como as competitivas Porsche. Em meio a gigantes, o trio de 787B da Mazda era visto como azarão, embora respeitado pela persistência e pelo som inconfundível de seu motor.
A estratégia da Mazda foi simples, porém eficaz: manter-se consistente, evitar problemas e poupar pneus e combustível. Enquanto rivais enfrentavam problemas mecânicos, acidentes ou paradas não programadas, os 787B, conduzidos pelos trios Johnny Herbert, Volker Weidler e Bertrand Gachot (carro #55), e os demais carros irmãos (#18 e #56), seguiram implacáveis. À medida que a noite caía e o amanhecer chegava, a confiabilidade do Mazda começou a recompensá-los. Um a um, os favoritos caíam. No domingo de manhã, o impensável aconteceu: o Mazda 787B #55 assumiu a liderança.
A vitória do Mazda 787B foi mais que a conquista de uma corrida; foi um marco. Foi a primeira vez que um fabricante japonês venceu as 24 Horas de Le Mans, e até hoje, o único carro com motor rotativo a fazê-lo. A imagem de Johnny Herbert sendo carregado para o pódio devido à exaustão, enquanto o 787B número 55 cruzava a linha de chegada em primeiro lugar, tornou-se lendária. Foi um triunfo da engenharia, dedicação e perseverança contra todas as probabilidades.
Paradoxalmente, essa vitória histórica foi também um epitáfio. Pouco depois do sucesso, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) anunciou uma mudança nas regulamentações para 1992, exigindo que todos os carros usassem motores a pistão de 3.5 litros. Essa decisão, embora teoricamente visasse a padronização, efetivamente bania os motores rotativos de Le Mans. Assim, o 787B se tornou não apenas um vencedor, mas “o vencedor banido”, imortalizando-o como o único de sua espécie a alcançar tal feito.
O legado do Mazda 787B transcende a pista. Ele simboliza inovação, a ousadia de ir contra a corrente e a capacidade de superar gigantes. Seu motor, com seu som inconfundível, e sua vitória inesperada garantiram que o Mazda 787B permaneça para sempre gravado como uma das histórias mais cativantes e inspiradoras nas 24 Horas de Le Mans. Sua lenda ressoa, lembrando-nos que, às vezes, o caminho menos percorrido leva à glória mais extraordinária.