O recente ajuste na composição da gasolina brasileira, notadamente o leve aumento no teor de etanol anidro, desencadeou uma onda previsível de alarmismos nas redes sociais. Impulsionadores de conteúdo digital, em busca incessante por cliques e engajamento fácil, rapidamente transformaram a questão técnica em um espetáculo de “notícias” sensacionalistas. Afirmações como “a nova gasolina estraga o motor” ou “seu carro vai expelir água como nunca” viralizaram, obscurecendo a verdade por trás de uma mudança regulatória padrão.
Para entender a situação, é crucial contextualizar. O Brasil é um dos líderes mundiais no uso de biocombustíveis, e o etanol faz parte da nossa matriz energética há décadas. A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) regula constantemente a proporção de etanol na gasolina, buscando equilibrar fatores ambientais, econômicos e tecnológicos. Pequenos ajustes, como os que vimos recentemente, são procedimentos rotineiros e baseados em estudos técnicos, não em decisões arbitrárias ou casuais.
O cerne do alarde, e o ponto mais explorado pelos “influencers do apocalipse automotivo”, é a suposta aparição de água no escapamento, atribuída diretamente ao aumento do etanol. Aqui reside a desinformação. A formação de água no escapamento não é um fenômeno novo nem exclusivo do etanol; é uma consequência natural e inevitável do processo de combustão de *qualquer* combustível fóssil ou biocombustível. A reação química básica da combustão transforma hidrocarbonetos (e, no caso do etanol, álcoois) e oxigênio em dióxido de carbono e… água (H2O).
Em dias mais frios, ou em carros que acabaram de ser ligados, é comum ver vapor d’água saindo do escapamento ou até mesmo pequenas gotas de água condensada. Isso acontece porque os gases de exaustão, quentes, contêm vapor d’água que se condensa ao entrar em contato com o ar mais frio e o metal do sistema de escape. O etanol, por conter oxigênio em sua molécula, de fato produz uma quantidade ligeiramente maior de vapor d’água durante a queima em comparação com a gasolina pura. No entanto, essa diferença é marginal e completamente inofensiva para os motores projetados para o mercado brasileiro.
A indústria automobilística brasileira, ciente da nossa realidade de biocombustíveis, desenvolve e comercializa veículos — especialmente os flex-fuel — projetados para operar com diferentes proporções de etanol, incluindo as que estão atualmente em vigor. Componentes internos do motor, linhas de combustível e sistemas de injeção são construídos com materiais resistentes ao etanol. Para veículos mais antigos, que não foram projetados para as misturas atuais, um cuidado extra pode ser prudente, mas a ideia de que um pequeno aumento no teor de etanol “quebrará” um carro moderno é, na vasta maioria dos casos, infundada.
O que os influencers muitas vezes omitem é que o alarmismo gera visualizações e, consequentemente, dinheiro. Criar um inimigo comum (“a nova gasolina”) e prever catástrofes é uma estratégia eficaz para capturar a atenção de um público preocupado com seus bens. A complexidade técnica da engenharia automotiva e da química dos combustíveis é simplificada ao ponto da distorção, sacrificando a precisão em favor do sensacionalismo.
Em vez de ceder ao pânico, os consumidores devem buscar informações de fontes confiáveis: os fabricantes dos veículos, a ANP, revistas especializadas e engenheiros automotivos. Manter a manutenção do carro em dia, usar combustível de procedência confiável e seguir as recomendações do manual do proprietário são as melhores estratégias, independentemente das pequenas variações na composição dos combustíveis. O aumento do teor de etanol é uma realidade bem gerenciada e faz parte da evolução dos combustíveis, não um prenúncio de desastre. A verdadeira ameaça não vem da bomba de combustível, mas sim da disseminação irresponsável de desinformação.