A Vara do Trabalho de Redenção, no sul do Pará, condenou a Volkswagen do Brasil a pagar R$ 165 milhões por danos morais coletivos. A decisão refere-se a condições análogas à escravidão que teriam sido impostas a trabalhadores na Fazenda Vale do Rio Cristalino, de propriedade da empresa automobilística durante a ditadura militar, nas décadas de 1970 e 1980.
A Fazenda Vale do Rio Cristalino, localizada em Santana do Araguaia, sudeste do estado, foi o palco de graves violações, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), que moveu a ação civil pública contra a Volkswagen. A sentença, publicada na última sexta-feira (29), estabelece não apenas o valor milionário da indenização – o maior já registrado em casos de trabalho análogo ao de escravo na história do país – mas também determina que a empresa reconheça publicamente sua responsabilidade e apresente um pedido formal de desculpas aos trabalhadores afetados e à sociedade brasileira.
Um grupo de quatro procuradores do Trabalho foi responsável pela elaboração da ação, que teve em maio uma das audiências marcantes com a oitiva de testemunhas. O MPT detalhou que cerca de mil trabalhadores teriam sido submetidos a um regime de exploração que incluía jornadas de trabalho exaustivas, alojamentos degradantes, falta de acesso a água potável e uma vigilância armada constante. Além disso, foram relatadas práticas de escravidão por dívida e episódios de violência física, que garantiam a submissão dos empregados.
O caso chegou ao conhecimento do MPT em 2019, por meio de uma vasta documentação reunida ao longo de anos por um padre que, na época, coordenava a Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a região do Araguaia e Tocantins, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esses documentos indicavam que os trabalhadores eram recrutados em cidades distantes e transportados para a fazenda, onde sua principal atividade era a derrubada de mata nativa para a abertura de pastos.
Um dos depoimentos, colhido durante o processo judicial, ilustra a gravidade da situação. Um trabalhador rural descreveu as condições enfrentadas na fazenda: “Nós ficávamos num barracão de lona, fazíamos nossa comida, bebíamos água do córrego, com chuva e nós ficamos só lá no mato mesmo, no serviço. Não podíamos sair, nem comunicar com nossa família”. Este relato sintetiza a privação de liberdade e a ausência de condições básicas de dignidade.
Antes de entrar com a ação judicial, o MPT tentou um acordo com a empresa em cinco audiências de conciliação, realizadas entre 2022 e 2023. Contudo, as negociações foram encerradas unilateralmente pela Volkswagen em março de 2023, o que levou o MPT a formalizar o processo em dezembro do mesmo ano.
Em nota enviada ao g1, a Volkswagen do Brasil declarou que tomou conhecimento da decisão em primeira instância, mas que “seguirá sua defesa em busca de justiça e segurança jurídica nas instâncias superiores”. A empresa afirmou defender “os princípios da dignidade humana, cumpre todas as leis e regulamentos trabalhistas aplicáveis” e reafirmou seu “compromisso inabalável com a responsabilidade social, que está intrinsecamente ligada à sua conduta como pessoa jurídica e empregadora”, destacando seus 72 anos de legado no país. A Volkswagen, portanto, indicou que irá recorrer da sentença.